quarta-feira, 16 de outubro de 2013

As diferenças (ou não) entre etnografia, etnologia e antropologia jurídica

O grande problema em se definir esses termos se deu por uma razão lingüística. A etnologia era o termo utilizado pelos franceses para designar a antropologia. No entanto, tal distinção é pouco precisa e causou alguns problemas de interpretação na tradução de textos franceses. Quem se propôs a resolver o impasse foi Claude Levi-Strauss, um pensador francês que estudou nos Estados Unidos.
Segundo ele, a etnografia é preponderantemente descritiva (não exclusivamente). Portanto, quando se fala em etnografia jurídica consiste na coleta e descrição de dados jurídicos em uma determinada configuração social, segundo Norbert Rouland. Para se chegar a esses dados, principalmente em sociedades não ocidentais européias, o etnógrafo deve analisar três níveis: o discurso, as práticas e as representações. Isso por que existem incongruências entre os três níveis e a pesquisa ficaria superficial se somente fosse analisado um dos níveis. Nem sempre o que se diz no discurso é o que condiz com as práticas.
Já a etnologia é preponderantemente interpretativa (não exclusivamente) e estaria mais ligada à tradição francesa. Nesse caso, a etnologia jurídica se preocupa em interpretar a conexão que existe entre os três níveis acima descritos: o discurso (o que se diz), as práticas (o que se faz) e as representações (construções simbólicas) em uma determinada configuração social. Sendo assim, a etnologia lança hipóteses para entender as incongruências entres os três níveis.
Por fim, a antropologia é preponderantemente generalizadora (não exclusivamente) e estaria mais ligada à tradição inglesa. Dessa forma, a antropologia jurídica tem um maior grau de abstração e busca ordenar a cultura humana de maneira generalizadora. Tendo como objeto delimitado o Direito, a antropologia jurídica faz uma comparação entre os sistemas jurídicos de todas as sociedades. Esse método comparativo busca perceber o que existe em comum e diferente entre as sociedades no aspecto jurídico.

Para finalizar, é importante notar que a etnografia, etnologia e antropologia, na verdade, não são disciplinas distintas. Todas elas fazem parte de uma mesma pesquisa: primeiro com caráter descritivo, depois com caráter interpretativo e finalmente com um caráter conclusivo e generalizador.

Os Contratualistas – Parte III – Jean Jacques Rosseau (1712 – 1778)

O pensador tentou equacionar o pensamento absolutista totalitário de Hobbes com o liberalismo individualista de Locke. Tem como principais obras: “O Contrato Social” e “Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens”. 
Estado de Natureza
Relembrando que o Estado de Natureza não é uma tese histórica e sim um ponto de partida do pensamento dos contratualistas. Seria uma hipótese de um local onde não haveria leis nem poder. Nesse estado para Rosseau, as desigualdades entre os homens são contingentes, circunstanciais, no limite da força dos indivíduos. Para ele, não haveria nem guerra, nem harmonia, o homem seria parecido com os animais havendo desigualdades mínimas.
Origem do Estado
Segundo Rosseau, o fim do Estado de Natureza se dá com o surgimento da propriedade privada. É uma construção artificial do homem: um dia alguém cercou um terreno e disse “isto é meu!”. Sozinho, o “dono” não seria capaz de proteger a sua propriedade já que no Estado de Natureza tudo é de todos. Sendo assim, a propriedade não é um direito natural do homem, ao contrário do que afirma Locke.
O Contrato
O contrato surge justamente porque a propriedade gera conflitos entre os indivíduos. Seria um mecanismo para manter as desigualdades e que o homem não teria mais liberdade. No entanto, Rosseau afirma que o ser humano precisa impreterivelmente de liberdade. Dessa forma, com o contrato, haveria a troca da liberdade natural pela liberdade civil que somente é possível em democracias diretas.
O povo submetido às leis deve ser o autor das mesmas, pois somente aos associados compete regular as condições da sociedade” (ROSSEAU, Contrato Social)

Nesse aspecto, Rosseau contrapõe seu pensamento ao de Hobbes e Locke. Hobbes afirma que o contrato é um mecanismo de sobrevivência e que há a transferência de poder ao soberano. Locke prega que o contrato apenas delega a liberdade aos legisladores que fariam leis comuns para todos (democracia representativa).

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Os contratualistas – Parte II – John Locke (1673 – 1704)

Estado de Natureza

Ao contrário do pensamento hobbesiano, para Locke, o Estado de Natureza não é um estado de guerra, mas de liberdade. Esse pensador tem uma visão otimista do homem. Para ele, todos os problemas podem ser resolvidos pelo fato do homem ser dotado de racionalidade. É por meio da razão que o homem busca a harmonia, a razoabilidade, a correção. O grande problema desse pensamento é que o ser humano nem sempre age racionalmente sendo dotado de paixões e impulsos.

Lei Natural e Direitos Naturais

O fato de que todos são iguais e livres no Estado de Natureza não significa que cada um possa fazer o que quiser, pois o homem possui uma lei natural que o obriga e o governa perante todos. Isso significa que ninguém pode prejudicar o outro em sua vida, saúde, liberdade e bens. Portanto, para Locke, os direitos naturais consistem em vida (que conseqüentemente engloba a saúde), liberdade e propriedade. O Estado serve somente para fomentar e proteger esses direitos (Estado mínimo).
É importante notar que para Hobbes a propriedade não é um direito natural. Locke afirma que a propriedade é fruto do trabalho e é reconhecido por qualquer ser racional. Essa teoria vai influenciar o pensamento econômico inglês e tem notoriamente uma característica burguesa (classe trabalhadora e comercial). Com Locke, o exercício da soberania deixa de ser absolutista e totalitária como era para Maquiavel, Bodin e Hobbes. Passa a haver uma divisão de competências no seu exercício.

Fatores que levam à constituição do Estado

Paixões: São elas que desviam o homem da racionalidade trazendo insegurança à sociedade. A conseqüência é o cometimento de crimes e ofensas aos direitos naturais. (Ex: inveja, preguiça, amor, paixão, etc.)
Falta de um juiz imparcial: No Estado de Natureza não há Estado, por conseqüência não há poder judiciário, restando aos indivíduos a autotutela, ou seja, “fazer a justiça com as próprias mãos”. O problema é que pode haver uma exacerbação da pena e se e transformar em vingança e injustiça levando à “guerra de todos contra todos”.

O Contrato

Seria a delegação da liberdade face aos legisladores para que façam as leis comuns para todos. Os mandatos teriam tempo limitado e poderia haver a cassação. Locke acredita no Direito de Revolta em que os indivíduos podem tomar o poder quando houver desvio de funções do Estado já que a liberdade foi delegada.

Poderes do Estado (anterior à Montesquieu)

Legislativo: É o poder máximo e a liberdade é delegada em favor desse poder.
Executivo: Não cria leis, apenas as executa por meio de instituições judiciárias.
Federativo: Cuida das relações internacionais.

Funções do Estado

1.    Conservar e regular a propriedade
2.    Organizar uma força comum (militar e policial)

3.    Garantir os bens públicos (conservar os bens necessários ao funcionamento do Estado)

Os contratualistas – Parte I - Thomas Hobbes (1588 – 1679)

Para alguns pensadores, Hobbes não seria um jusnaturalista e poderia ser considerado como o pai do positivismo. Sabe se que a tentativa de enquadramento em determinadas categorias é problemática e assim também é na filosofia. Uma coisa é certa: Hobbes foi o primeiro pensador que utilizou a teoria contratualista.
Esse filósofo foi influenciado pela mecânica universal dos corpos de Galileu. Dessa forma, buscava entender o homem pelas coisas e forças que o movem como, por exemplo, medos, preconceitos, vontades. Para Hobbes, o homem está constantemente em busca da própria sobrevivência.

O Direito Natural

A liberdade é muito importante para Hobbes. Ele considera como um direito natural do homem poder fazer tudo o que for necessário para preservar a vida e sua sobrevivência. A lei natural, preceito ou regra geral seria descoberta pelo homem por meio da razão, segundo a qual este é proibido de fazer aquilo que pode destruir sua vida ou ser privado dos meios de preservá-la.

O Estado de Natureza (*)

Hobbes acredita que pela observação pode se prever o comportamento dos seres irracionais, mas que o mesmo não aconteceria com os homens. Segundo ele, o homem é imprevisível e não confiável. Justamente por isso é que haveria a “guerra de todos contra todos” já que todos utilizariam de artimanhas para preservar a própria vida. O contrato social seria, na verdade, um pacto de não agressão. O Estado não surge do altruísmo do homem e sim da busca pela sobrevivência.

O Contrato

No contrato hobbesiano, a liberdade dos indivíduos é transferida para o soberano. É nesse contexto que surge o Estado com instituições para normalizar os homens, regulamentar as leis. É importante frisar que esse pacto não pode ser desfeito já que foi realizado entre os próprios indivíduos e não teve participação do soberano. A revolta somente é legítima se houver a disposição arbitrária da vida.

Divisão das Leis    

Nesse quesito, Hobbes foi influenciado por Aristóteles, separando as leis em distributivas e penais. As leis distributivas são as que estruturam a vida em sociedade. É por meio delas que se cria um ambiente de previsibilidade das ações humanas. Se não houver o cumprimento das leis, o Estado dispõe de mecanismos coercitivos (sanções). Já as leis penais institucionalizam a vingança visando causar sofrimento ao criminoso. É uma visão ultrapassada, hoje, uma das finalidades da pena é a de ressocialização do infrator.

Direito de Propriedade

Para Hobbes, a propriedade somente existe no Estado. Seria apenas um contrato que regula o uso, disposição das coisas, ou seja, “tudo é de todos e nada é de ninguém”. Portanto a propriedade é protegida pelo Estado por meio de sanções. No Estado de Natureza, haveria somente posse e não propriedade.


(*) O Estado de Natureza é apenas uma hipótese em que os homens viviam sem leis, sem poder soberano. Não é uma tese história, no sentido de que isso realmente teria acontecido.